terça-feira, 25 de dezembro de 2007

O frouxo mas sereno lume dessas pequenas lanternas suscita, certamente, compungida inveja em muitos dentre nós; a outros, pelo contrário, que se julgam armados, como se cada qual fosse um Júpiter, do raio domesticado da ciência e, no lugar dessas pequenas lanternas, levam em triunfo as lâmpadas elétricas, inspira desdenhosa comiseração. Mas eu, agora, pergunto, Senhor Meis: e se toda essa escuridão, esse enorme mistério, a cujo respeito debalde especularam, inicialmente, os filósofos e que a ciência, agora, se bem que renunciando a investigá-lo, não exclui; se esse mistério não passasse, no fundo, de um engano como outro qualquer, um engano da nossa mente, uma fantasia que não se colore? Se nós, finalmente, nos convencêssemos de que esse mistério todo não existe fora de nós, mas somente em nós e, ali, de forma necessária graças ao famoso privilégio do sentimento que temos da vida, isto é, à lanterninha de que lhe falei até aqui? Se a morte, em suma, que nos mete tanto medo, não existisse? Se fosse tão-só não a extinção da vida, mas o sopro que apaga em nós a lanterninha, ou seja, o infeliz sentimento que dela temos? É um sentimento penoso, assustador, porque limitado, definido por esse círculo de sombra fictícia que se acha para lá do pequeno âmbito da escassa luz, que nós, pobres vaga-lumes perdidos, projetamos em torno a nós e em que a nossa vida fica como que aprisionada, como se fosse excluída, por algum tempo, da vida universal, eterna, na qual parece-nos que, algum dia, deveremos reentrar. Mas a verdade é que nela já estamos e nela sempre permaneceremos, mas, aí, sem mais esse sentimento de exílio que nos atormenta. O limite é ilusório, é relativo ao nosso pouco lume, o da nossa individualidade: na realidade da natureza, não existe. Nós (não sei se isso pode dar-lhe prazer), nós sempre vivemos e sempre viveremos no universo; também agora, em nossa forma atual, participamos de todas as manifestações do universo; só que não o sabemos, não o vemos, porque, infelizmente, a maldita lanterninha bruxuleante nos faz ver somente o pouco até onde seu lume alcança. E se, ao menos, nos permitisse vê-lo tal como é na realidade! Não, senhor: apresenta-o aos nossos olhos com a cor que ela lhe dá e nos faz certas coisas, que devemos realmente lamentar, com a breca! mas das quais, noutra forma de existência, não teríamos, talvez, boca bastante para rir às gargalhadas. Gargalhadas, Senhor Meis, por todas as vãs, estúpidas atribulações que ela nos proporcionou, por todas as sombras, por todos os estranhos e ambiciosos fantasmas que fez surgir diante e em torno de nós, pelo medo que nos inspirou!

(O Falecido Mattia Pascal - Pirandello)

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